quinta-feira, 1 de maio de 2014

Entrevista - Sugestões para a construção do Roteiro

Entrevista

Entrevistar uma pessoa é ajudá-la a revelar sua história de vida como narrativa construída a partir de suas memórias, daquilo que viveu e conheceu. Por isso, a entrevista pressupõe a interação entre quem conta, o entrevistado e o entrevistador. Cabe ao entrevistador auxiliar o entrevistado a organizar as lembranças de sua vida em uma narrativa própria.

Nesse caso, a entrevista é uma prática de interação entre dois lados: quem conta e quem pergunta/ouve.  Ao contrário de um “interrogatório” ou “questionário”, o que se busca é criar um momento de troca e diálogo entre as duas partes, sendo que o assunto da conversa é a história de vida de uma delas. Podemos dizer que a entrevista é um produto em co-autoria do entrevistado e do entrevistador.
Busca-se transformar a entrevista num momento solene, até mesmo sublime, em que a pessoa possa se religar a sua memória e contar sua história, com ajuda de um entrevistador atento e respeitoso. É como puxar o fio da memória e deixar que a narrativa flua.

Costumamos dizer que, para uma boa entrevista, pode bastar uma primeira pergunta. A partir de então, é saber ouvir uma história que muitas vezes está simplesmente guardada, pronta para ser contada. Cabe ao entrevistador auxiliar a pessoa a organizar as lembranças que vêm à tona em uma narrativa própria.

Cada entrevistado não é entendido, portanto, como uma mera fonte de “informações” sobre o assunto, mas, sim, como uma pessoa que de alguma maneira vivenciou um pedaço daquela história. Neste sentido, sua narrativa de vida é, em si mesma, a principal fonte que se quer coletar.

De fato, quando ouvimos uma história, estamos recebendo um presente delicado e profundo de alguém: sua história de vida. Cuidados especiais podem ser tomados para retribuir ao entrevistado seu presente: uma cópia de sua entrevista, um certificado, uma carta de agradecimento etc. Além do reconhecimento por sua participação, todos estes cuidados constituem estratégias para que o entrevistado se conscientize da importância de sua história e dos desdobramentos que ela pode ter ao ser integrada às histórias de sua comunidade e da sociedade como um todo.



Alguns pontos sobre o papel e a postura do entrevistador:

A entrevista pode ser realizada por duas pessoas: uma assume a interlocução direta com o entrevistado e a outra observa e, com uma visão do todo, percebe os “ganchos” perdidos e ajuda a complementar. 

Uma entrevista de história de vida dura, no mínimo, uma hora e meia, mas pode também ter mais horas de duração, em várias sessões.

O entrevistado é o autor principal da narrativa. É ele quem deve determinar o ritmo, o estilo e o conteúdo da sua história. No entanto, o sucesso da entrevista depende muito do entrevistador. Cabe-lhe ajudar o entrevistado, fazendo perguntas, estimulando seu relato. É importante, portanto, se preparar para esse momento. A elaboração de um roteiro da entrevista ajuda bastante.

O roteiro, porém é apenas um estímulo. É necessário estar totalmente disponível. Ser curioso, escutar com atenção. As melhores perguntas surgem da própria história que está sendo contada. Se o entrevistado falar sem perguntas, pode seguir sem interrupção, mesmo que pareça que ele esteja saindo fora do tema. Apenas interferimos quando for realmente necessário, seja para retomar o fio da meada, seja para ajudá-lo a seguir.

O corpo, os olhos, os movimentos fazem parte do diálogo e influenciam a construção da narrativa. É necessário estar atento. Cuidado em não demonstrar impaciência, olhando o relógio.

O entrevistador não discute opiniões ou cobra verdade e precisão histórica. O objetivo da entrevista é registrar a experiência pessoal que o entrevistado tem dos acontecimentos e não uma verdade absoluta. O papel do entrevistador é estimular e auxiliar o entrevistado na construção da história que ele quer contar. E certamente a emoção faz parte.


Dicas para o registro da entrevista

Todo o material e equipamento necessário para a realização da entrevista deve ser ordenado e testado antes da entrevista.

Vale a pena gravar um pequeno cabeçalho informando nome completo do entrevistado, entrevistadores, data e local do registro. Incorporada à gravação, essa claquete permite a identificação imediata dessa nova fonte histórica.

Vários podem ser os ambientes para a realização da entrevista. Mas, preferencialmente, locais silenciosos, sem muitos estímulos presentes e os celulares devem ser desligados.

É importante que a entrevista não seja interrompida pelos entrevistadores, pela equipe de gravação, ou por pessoas do entorno, mas avisar o entrevistado que, sempre que ele quiser, poderá ser feito um intervalo.


Roteiro da entrevista


O roteiro é uma seqüência de perguntas elaboradas pelo entrevistador, que o ajuda a preparar-se para a entrevista. Não deve ser entendido como um questionário rígido, mas como um guia para “puxar o fio da memória” do entrevistado.

O desafio é construir uma seqüência de perguntas que ajude a pessoa a encadear seus pensamentos e organizar a narrativa à sua maneira. O tipo e a ordem das perguntas - estejam ou não previstas no roteiro – tendem a definir o tipo de história que será contada.
Deve-se priorizar a narrativa, as histórias, cuidando para o entrevistado não se perder em comentários e opiniões genéricas.

Algumas dicas para construção do roteiro:

§ Para começar - Iniciar com perguntas fáceis de responder, como nome, local e data de nascimento. Além de contextualizar a pessoa, essas perguntas têm a função de “esquentar” a entrevista. É como um começo delicado de um relacionamento, e nada como perguntas simples e objetivas para deixar o entrevistado à vontade e ajudá-lo a mergulhar em suas memórias.
§ Encadeamento - A ordem cronológica costuma ser um bom fio condutor da conversa, mas não é o único. Vale observar se a comunidade ou grupo tem outra lógica de organização de suas histórias. Se for adotado o critério cronológico, o roteiro pode ser organizado em três grandes blocos de perguntas:
-       Introdução: origem da pessoa, pais, avós, infância.
-       Desenvolvimento: fases da sua trajetória, incluindo, se for o caso, o tema específico do projeto.
§ Finalização: conclusão da história, relação com o presente e o futuro.

§ Número de perguntas - O roteiro não precisa ser extenso nem exaurir todos os temas, pois é apenas uma base para a entrevista. Um bom exercício é começar construindo 10 perguntas (três de início, quatro de desenvolvimento e três de finalização) e depois subdividir cada uma em sub-blocos temáticos.

§ Perguntas que ajudam:
 - Descritivas - Recuperam detalhes envolventes. Exemplo: descreva como era a casa de sua infância.
 - De movimento - Ajudam a continuar sua história. Exemplo: o que você fez depois que saiu de casa?
 - Avaliativas - Provocam momentos de reflexão e avaliação. Exemplo: como foi chegar à cidade grande?

§ Perguntas que atrapalham:
 - Genéricas - Estimulam respostas genéricas (“boa” ou “muito difícil”), sem histórias.  Exemplo: como foi sua infância?
 - Puramente informativas - Podem desconcertar o entrevistado e interromper sua narrativa. Exemplo: qual era o nome da praça? (Se importante, tal dado deve ser pesquisado antes ou depois da entrevista.)
 - Com pressupostos - Propiciam respostas meramente opinativas. Exemplo: o que você acha da situação atual do Brasil?
- Com julgamento de valor - Atendem apenas a hipóteses e anseios do entrevistador. Exemplo: Você não acha que deveria ter feito algo?



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