Entrevista
Entrevistar uma pessoa é ajudá-la a revelar sua história de vida
como narrativa construída a partir de suas memórias, daquilo que
viveu e conheceu. Por isso, a entrevista pressupõe a interação entre quem
conta, o entrevistado e o entrevistador. Cabe
ao entrevistador auxiliar o entrevistado a organizar as lembranças de sua vida
em uma narrativa própria.
Nesse caso, a entrevista é uma prática de interação entre dois
lados: quem conta e quem pergunta/ouve.
Ao contrário de um “interrogatório” ou “questionário”, o que se busca é
criar um momento de troca e diálogo entre as duas partes, sendo que o assunto
da conversa é a história de vida de uma delas. Podemos dizer que a entrevista é
um produto em co-autoria do entrevistado e do entrevistador.
Busca-se transformar a entrevista num momento solene, até mesmo
sublime, em que a pessoa possa se religar a sua memória e contar sua história,
com ajuda de um entrevistador atento e respeitoso. É como puxar o fio da
memória e deixar que a narrativa flua.
Costumamos dizer que, para uma boa entrevista, pode bastar uma
primeira pergunta. A partir de então, é saber ouvir uma história que muitas
vezes está simplesmente guardada, pronta para ser contada. Cabe ao entrevistador auxiliar a
pessoa a organizar as lembranças que vêm à tona em uma narrativa própria.
Cada entrevistado não é entendido, portanto, como uma
mera fonte de “informações” sobre o assunto, mas, sim, como uma pessoa que de
alguma maneira vivenciou um pedaço daquela história. Neste sentido, sua
narrativa de vida é, em si mesma, a principal fonte que se quer coletar.
De fato, quando ouvimos uma história, estamos
recebendo um presente delicado e profundo de alguém: sua história de vida.
Cuidados especiais podem ser tomados para retribuir ao entrevistado seu
presente: uma cópia de sua entrevista, um certificado, uma carta de
agradecimento etc. Além do reconhecimento por sua participação, todos estes
cuidados constituem estratégias para que o entrevistado se conscientize da
importância de sua história e dos desdobramentos que ela pode ter ao ser
integrada às histórias de sua comunidade e da sociedade como um todo.
Alguns pontos sobre o papel e a postura do entrevistador:
A
entrevista pode ser realizada por duas pessoas: uma assume a interlocução
direta com o entrevistado e a outra observa e, com uma visão do todo, percebe
os “ganchos” perdidos e ajuda a complementar.
Uma
entrevista de história de vida dura, no mínimo, uma hora e meia, mas pode
também ter mais horas de duração, em várias sessões.
O entrevistado é o autor principal da narrativa. É ele quem deve
determinar o ritmo, o estilo e o conteúdo da sua história. No entanto, o
sucesso da entrevista depende muito do entrevistador. Cabe-lhe ajudar o
entrevistado, fazendo perguntas, estimulando seu relato. É importante, portanto,
se preparar para esse momento. A elaboração de um roteiro da entrevista ajuda
bastante.
O roteiro, porém é apenas
um estímulo. É necessário estar totalmente disponível. Ser curioso, escutar com
atenção. As melhores perguntas surgem da própria história que está sendo
contada. Se o entrevistado falar sem perguntas, pode seguir sem interrupção, mesmo que pareça que ele esteja saindo fora do tema. Apenas
interferimos quando for realmente necessário, seja para retomar o fio da meada,
seja para ajudá-lo a seguir.
O corpo, os olhos, os
movimentos fazem parte do diálogo e influenciam a construção da narrativa. É necessário estar atento. Cuidado em não demonstrar impaciência,
olhando o relógio.
O
entrevistador não discute opiniões ou
cobra verdade e precisão histórica. O objetivo da entrevista é registrar a
experiência pessoal que o entrevistado tem dos acontecimentos e não uma verdade
absoluta.
O papel do entrevistador é estimular e auxiliar
o entrevistado na construção da história que ele quer contar. E certamente a
emoção faz parte.
Dicas para o registro da entrevista
Todo o material e
equipamento necessário para a realização da entrevista deve ser ordenado e
testado antes da entrevista.
Vale a pena gravar um pequeno cabeçalho
informando nome completo do entrevistado, entrevistadores, data e local do
registro. Incorporada à gravação, essa claquete permite a identificação
imediata dessa nova fonte histórica.
Vários podem
ser os ambientes para a realização da entrevista. Mas, preferencialmente,
locais silenciosos, sem muitos estímulos presentes e os celulares devem ser
desligados.
É importante
que a entrevista não seja interrompida pelos entrevistadores, pela equipe de
gravação, ou por pessoas do entorno, mas avisar o entrevistado que, sempre que
ele quiser, poderá ser feito um intervalo.
Roteiro da entrevista
O roteiro é uma seqüência de perguntas elaboradas pelo
entrevistador, que o ajuda a preparar-se para a entrevista. Não deve ser
entendido como um questionário rígido, mas como um guia para “puxar o fio da
memória” do entrevistado.
O desafio é construir uma seqüência de perguntas que ajude a
pessoa a encadear seus pensamentos e organizar a narrativa à sua maneira. O
tipo e a ordem das perguntas - estejam ou não previstas no roteiro – tendem
a definir o tipo de história que será contada.
Deve-se priorizar a
narrativa, as histórias, cuidando para o entrevistado não se perder em
comentários e opiniões genéricas.
Algumas dicas para construção do roteiro:
§
Para começar - Iniciar com perguntas fáceis de responder,
como nome, local e data de nascimento. Além de contextualizar a pessoa, essas
perguntas têm a função de “esquentar” a entrevista. É como um começo delicado
de um relacionamento, e nada como perguntas simples e objetivas para deixar o
entrevistado à vontade e ajudá-lo a mergulhar em suas memórias.
§
Encadeamento - A ordem cronológica costuma ser um bom fio
condutor da conversa, mas não é o único. Vale observar se a comunidade ou grupo
tem outra lógica de organização de suas histórias. Se for adotado o critério
cronológico, o roteiro pode ser organizado em três grandes blocos de perguntas:
-
Introdução: origem da pessoa, pais, avós, infância.
-
Desenvolvimento: fases da sua trajetória, incluindo, se for o
caso, o tema específico do projeto.
§
Finalização: conclusão da história, relação com o presente e o
futuro.
§
Número de perguntas - O roteiro não precisa ser extenso nem
exaurir todos os temas, pois é apenas uma base para a entrevista. Um bom
exercício é começar construindo 10 perguntas (três de início, quatro de
desenvolvimento e três de finalização) e depois subdividir cada uma em
sub-blocos temáticos.
§
Perguntas que ajudam:
- Descritivas - Recuperam
detalhes envolventes. Exemplo: descreva como era a casa de sua infância.
- De movimento - Ajudam a
continuar sua história. Exemplo: o que você fez depois que saiu de casa?
- Avaliativas - Provocam
momentos de reflexão e avaliação. Exemplo: como foi chegar à cidade grande?
§
Perguntas que atrapalham:
- Genéricas - Estimulam
respostas genéricas (“boa” ou “muito difícil”), sem histórias. Exemplo: como foi sua infância?
- Puramente informativas -
Podem desconcertar o entrevistado e interromper sua narrativa. Exemplo: qual
era o nome da praça? (Se importante, tal dado deve ser pesquisado antes ou
depois da entrevista.)
- Com pressupostos -
Propiciam respostas meramente opinativas. Exemplo: o que você acha da situação
atual do Brasil?
- Com julgamento de valor - Atendem apenas a hipóteses e anseios
do entrevistador. Exemplo: Você não acha que deveria ter feito algo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário